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O ciclo vicioso da comparação

Por que continuamos a nos comparar com outras mulheres? Mesmo aprendendo sobre o feminismo, entendendo que cada uma de nós é única e tentando reprogramar meu cérebro, acabo sempre caindo nas redes inevitáveis da comparação. Me intriga o quão difícil é largar deste péssimo hábito, mas me dou um crédito quando me lembro que crescemos treinadas a alimentar a rivalidade feminina. Quando um homem trai a namorada, muitas vezes a raiva da mulher é destinada à outra mulher (que não tinha nenhum compromisso com ela), e não ao homem, que estava dentro de um relacionamento e foi quem a traiu. 

Esses tipos de comportamentos acontecem constantemente e às vezes me pego contribuindo para essa mentalidade. “Preciso ser mais que nem ela, senão não vão gostar de mim” “vendo? Olha o corpo dela, por isso babam nela e não em mim, tenho que ser assim” “Ah mais o cabelo dela é mais bonito que o meu naturalmente…”. É quase impossível fincar em minha mente a ideia que beleza tem diversos rostos e formas e não é apenas uma única receita de bolo que deve ser seguida religiosamente.

“Quando um homem trai a namorada, muitas vezes a raiva da mulher é destinada à outra mulher (que não tinha nenhum compromisso com ela), e não ao homem, que estava dentro de um relacionamento e foi quem a traiu.”

As redes sociais com certeza não contribuem para isto. Além das fotos irreais e distorcidas digitalmente, a competição é alimentada pelos likes e comentários, mesmo que não intencionalmente. Quando se tem uma ideia irreal de corpos cada vez mais impossivelmente dentro de  um padrão, a comparação fica ativa de uma forma surreal. A quantidade de mulheres que desenvolvem transtornos alimentares por conta da pressão para ter um corpo inatingível é incrivelmente alto.

Um dia desses parei para pensar na quantidade de amigas e colegas que tenho que sofrem com esses transtornos causados pela busca ao corpo padrão e fiquei assustada. Sinto que a cada dia conheço mais gente com esses problemas e a exceção acaba sendo quem não sofre com eles. É, no mínimo, assustador. Se você acha que não tem amigas com essas questões, acredite em mim, você tem. Só não sabe ainda.

E a comparação não se limita a beleza física. É comparação de quem é mais divertida, inteligente, tem mais amigos, mais conquistas, mais curtidas, pega mais gente. Óbvio que homens também passam por essa comparação, é quase impossível nunca ter se comparado com alguém na modernidade líquida, mas isso é assunto para Zygmunt Bauman. Entre nós, as mulheres encaram essa tortura de uma forma muito mais extensiva, profunda e contra sua própria vontade. É quase impossível você pedir para alguém controlar um pensamento que é constantemente alimentado e estimulado no dia a dia. E é isso que se espera da população do gênero feminino.

“Você tem que parar de se comparar, isso é tão fútil. E te faz uma pessoa pior, com a vibe negativa.”. Essa é uma frase comum que se encaixa em mais um item para o hall de exigências. Quem nunca ouviu isso? Mesmo que tenhamos sido criadas e treinadas de maneira autodestrutiva para competir com outra mulher, agora exigem de nós que não podemos pensar assim. E que ninguém vai querer ficar perto por conta da “negatividade”

Estão vendo que a cobrança não para nunca? As expectativas estão cada vez mais irreais. É um sentimento de derrota diário: derrota por não ter o corpo ideal, por não ter o rosto perfeito, por não ser divertida o suficiente, por não conseguir controlar meus pensamentos, por não conseguir ser nada do que eu queria. Ou talvez daquilo que me ensinaram que eu deveria querer ser e, na verdade, nunca foi uma vontade propriamente minha, sempre deles.

Não sei nem mais o que eu gosto: que tipo de roupa eu gosto, que tipo de cabelo eu gosto, que pessoa eu quero ser. A sensação é que o “eu” não existe, pois nunca tive pensamentos não contaminados para criar uma personalidade forte ou ter uma força de vontade própria e autêntica. Não sei quem sou, não conheço minha essência, meus gostos, minhas vontades, minhas metas… Sou uma desconhecida que almeja se camuflar na multidão para passar despercebida entre as outras desconhecidas. Assim, finalmente sou o suficiente.

Deixa-me te contar um segredo: você pode ter o corpo daquela influenciadora que fez lipo que você sempre quis ter, ou aquela pele repleta de plásticas e procedimentos estéticos, ou milhares de seguidores babando em você, mas você nunca vai se sentir o suficiente. Isto porque o ciclo da comparação alimentado por ideais capitalistas foi feito para isso: para que você nunca se sinta o suficiente mesmo que seja a personificação padrão. Para que sinta vontade de comprar mais, consumir mais, desejar mais, propagar mais perfeição inalcançável. Nunca é o suficiente…

E é só isso que a gente quer se sentir. O mínimo suficiente. Não ser uma decepção, um fracasso. Não queremos ser as pessoas mais bonitas e divertidas do mundo. Só queremos ser o suficiente para que gostem da gente. Para que alguém goste da gente. Para que alguém faça questão de nos ter em suas vidas. Para que alguém nos ame pelo que somos. É quase um grito de socorro: se eu não consigo gostar de mim mesma, por favor, goste de mim!

Eu posso fazer terapia e reconhecer meus defeitos, reconhecer meu pedido de ajuda, mas reprogramar a forma que penso para ser suficiente para mim mesma, bom, não consegui até hoje. Sei que muitas também não conseguiram, então não se sintam sozinhas ou menos capazes por isso. Também estou nessa com vocês e sei que um dia eu irei conseguir, e vocês também. É tão difícil que parece inatingível, porém vamos chegar lá, eu asseguro. 

Não existe uma fórmula mágica para desconectar todos os fios que compõe esse ciclo tão danoso. É um trabalho minucioso, lento, e que, um dia, chega ao fim. Todas nós começamos de algum lugar. E, talvez, esse seja meu ponto de partida. Não há competição para quem chegar primeiro ao fim. A gente espera a caminhada de todas. Não tenha pressa. Temos todo tempo do mundo.

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