Não faz muito tempo que circulava pela internet um vídeo sobre capas com homens seminus. Uma série de questionamentos sobre livros de caubóis, livros de CEOs e aqueles comentários sobre os motivos que levam alguém a colocar uma capa com um homem parcialmente sem roupa, usando um chapéu, com terno e gravata na capa de um livro – impresso ou digital (é o tipo de apresentação que tem feito um sucesso estrondoso entre as publicações digitais independentes. Tanto que as editoras passaram a aderir cada vez mais o estilo).
Antes de prosseguir, cabe uma breve aula de história:
Não faz muito tempo que a mulher sequer podia abrir a boca sem ser solicitada ou que lhe dessem permissão. A “mulher direita’ não podia rir alto, usar batons de cores escuras ou roupas decotadas. Dizer o que pensava? Nem sob tortura! Expressar suas vontades? Fora de questão! E o que dizia respeito ao prazer estava sempre atrelado a uma figura masculina. O marido sempre tomava as decisões sobre a esposa. A mulher tinha de respeitar uma cronologia ilógica sobre suas realizações na vida.
“Mulheres passaram a vida inteira sendo objetificadas.”
Mulheres passaram a vida inteira sendo objetificadas. Viram seus corpos serem oferecidos em propagandas – havia uma boa penca de folhetins distribuídos em bancas de jornais, que ditavam as regras de uma sociedade machista, excludente e altamente misógina – seu prazer e sua felicidade eram sempre atrelados à figura de um homem, às realizações maternas, aos afazeres domésticos.
Não faz muito tempo e a mulher conquistou o direito de ser ouvida como parte da sociedade. Recebeu o direito ao voto e veio, em passos lentos, mas nunca em falso, alcançando novos objetivos na luta incessante por igualdade. O Feminismo não parte do princípio ser contrário do Machismo. Ao contrário do que muitos pensam. Porque ao contrário do Machismo, o Feminismo não visa excluir o sexo oposto julgando-o por sua possível fragilidade genética. Mas pôr um fim no velho discurso do sexo frágil. Por lei, não se pode proibir o outro de ser o que é. Cada um tem o seu lugar preservado. A Lei Universal dos Direitos Humanos deixa claro que qualquer tipo de exclusão do tipo é uma violação grave.
Quando a mulher chega ao mercado de trabalho – o que gera um burburinho em diferentes culturas, não apenas no Brasil – o mercado erótico chinês se reinventou quando a mulher chinesa decidiu que não queria casar, mas sim independência – passamos a enxergar com cada vez mais clareza o seu lugar. Dando espaço a novas discussões sobre o “ser mulher”. Entra em pauta, a mulher trans, a mulher que escreve e fala abertamente sobre sexualidade. Mesmo que com pouco espaço aqui, ali acolá, os poucos espaços geram incêndios por todo lugar. E pequenos fogos geram uma grande explosão facilitada também por mais revoluções tecnológicas com mais facilidade de comunicação e disseminação de informações.
Dito isto, retornamos ao nosso ponto; as capas de livros com homens seminus. Por que tais capas geram tanto burburinho, enquanto as capas com mulheres, os cartazes, as propagandas, os discursos, as narrativas que exploram o lado sexual da mulher sempre atrelado ao homem é dito como “natural”, “normal”? Socialmente falando, o comportamento masculino ainda é mais bem visto que o da mulher, mais aceito e cheio de advogados para velhas e inaceitáveis desculpas. Ainda é preciso falar do corpo de uma mulher para atingir sua autoestima, diminuí-la ou torná-la algo mediante ao corpo ideal ou qualquer outro padrão.
Qualquer ponto fora da curva da estrada dos “santos”, que são provocados o tempo inteiro para justificar suas ações, que são vítimas da própria ignorância – às vezes, aparentemente, por escolha – é motivo para gerar alvoroços.
As mulheres estão atreladas à satisfação masculina desde os primórdios. Sendo feitas de objeto desde que o mundo é mundo. Quando tomam lugar e expressam suas próprias vontades, falando dos corpos masculinos, há uma inversão de polos sendo que a oposição entre eles nunca existiu. Era apenas desigual. Como já dito, autoras e autores independentes ganharam destaque com seus contos e livros irreverentes, com capas que se aproximam cada vez mais de pessoas como eu, você e aquele vizinho bonito que se mudou para a casa da frente.
“As mulheres estão atreladas à satisfação masculina desde os primórdios.”
As histórias vieram para os tempos em que as mulheres se libertam das amarras da vergonha de assumir seus gostos e aos poucos deixam aflorar um prazer inibido por um discurso arcaico que condena um comportamento natural.
Mulheres também querem ver corpos. Querem falar sobre o que fazem, enquanto são protagonistas das próprias vidas. Autoras nacionais e internacionais trazem para os holofotes, histórias que retratam o sexo após os 50, a descoberta da sexualidade, o prazer, a importância de conhecer o próprio corpo, os jovens que exploram a sexualidade para se afirmarem enquanto indivíduos e terem suas vontades respeitadas.
O assunto sexo, infelizmente, ainda é um tabu para uma sociedade que ainda tem dificuldade para entender a diferença entre ideologia de gênero e sexualidade. Num mundo onde nascer mulher se tornou um fardo com imposições que funcionariam apenas se todos fossem iguais. Mas o que seria do azul se todos gostassem do amarelo? O que seria de Caetano, se todos fossem Gil?
Felizmente, o cenário literário contemporâneo abriu pautas relevantes sobre a mulher na sociedade quando o assunto é sexo, que é complemento à libertação política, social, cultural feminina. Um assunto que está longe da conclusão, do fim. A cada momento, obras como “50 tons de cinza”, “365 dias”, “A dama de papel”, “Êxtase”. “Três formas de amor”, “Amor plus size” e tantas outras nos levam a questionar quanto poder os homens estão acostumados a pensar que tem e o quanto foi importante que mulheres não se calassem diante à exclusão, encontrando espaço para dar voz a outras que ainda escolhem o silêncio.
Que venham os corpos seminus que estampam as capas de caubóis, CEOs, confeiteiros, motoristas de aplicativo! Quando o assunto é o gozo, se houver consenso e for bom para todos, vale entender que gosto é particular e o importante é que seja prazeroso.
Em todos os sentidos.